Deveríamos assustar?

Aprimeira-ministra Angela Merkel fez emocionado apelo aos alemães: evitem que este seja o último Natal com avós. Na Inglaterra, já se usava o slogan “Don’t kill grandma / grandpa” (não mate os avós). Ou seja, se jovens teimarem em se aglomerar, que não se aproximem dos idosos, não venham lhes trazer no Natal um abraço da morte.

Será que adiantam apelos ? O mundo está vivendo um agravamento, como era de se prever. Hospitais estão lotados na Coréia do Sul, que meses atrás era exemplo no controle da Covid-19. Os EUA seguem recordistas, com mais de 300 mil mortos.

É verdade que, proporcionalmente, as mortes vinham diminuindo graças ao aprendizado de urgência dos profissionais de saúde ao longo dos meses, com tratamentos que foram se tornando menos experimentais. No entanto, o contágio já esgota a capacidade de atendimento hospitalar, deixando muitos pacientes sem opção senão tratarem-se em casa, sem respiradores, tubos e condições só oferecidas em UTIs. Em consequência, volta a aumentar o número de óbitos.

Uma colunista norte-americana escreveu que talvez só exista uma única forma de forçar a população a se proteger: assustá-la. Lembrou das campanhas anti-tabagismo por volta dos anos 70, em que as TVs foram obrigadas a veicular imagens aterradoras de órgãos humanos seriamente atingidos pela fumaça do cigarro. Não por coincidência, despencou o consumo tabagista nos EUA.

Leis foram criadas e fumar foi progressivamente proibido até ficar praticamente restrito a domicílio residencial. Houve quem reclamasse de ter sua liberdade tolhida alegando que fumar era direito pessoal. Só que outras pessoas coabitando a casa também têm direito a não se intoxicar por fumaça de segunda mão.

Na pandemia, cabe uma ressalva: não se deve fazer dos encontros familiares um “bode expiatório”, pois não são eles os maiores focos de contágio, embora também sejam efetivamente situações de risco, especialmente quando há visitantes. Foi a discussão que os EUA vivenciaram em seu importante feriado de Ação de Graças (Thanksgiving) no final de novembro, e que repercute agora quando o país sofre uma explosão de contágio. Também discute-se como fator agravante o voto presencial nas recentes eleições por lá.

Recomenda-se que as famílias criem um rigoroso plano de ação, sacrificando algumas coisas como abraços e beijos, usando máscaras, óculos, distância pessoal, e o que mais possa ser feito. É melhor que encontros sejam ao ar livre em vez de recintos fechados, e que cada família produza e consuma sua própria comida e bebida.

Os idosos, melhor que fiquem isolados, e que alguém lhes permita um acenar ao longe ou mesmo por video/celular, a lhes assegurar atenção e carinho. Famílias que conseguirem cumprir um protocolo assim estarão menos vulneráveis a contágio. Se não o fizerem, certamente estarão dando chance ao perigo.

Os focos principais de contágio são locais públicos, principalmente os fechados: restaurantes, bares, academias, aviões, ônibus, trens, elevadores, etc e ainda lugares abertos como praias onde a aglomeração é concentrada. Medidas de proteção adotadas nesses locais tem sua eficácia fortemente desafiada pela voracidade com que o SARS Cov-2 consegue se espalhar.

Receio que infelizmente haverá muitos casos de contágio em encontros familiares desse Natal. Muita gente não se protege e não se dá conta do risco a que submetem idosos e pessoas com questões de saúde. Festas acontecem aqui e ali, fazendo lembrar cenas do filme “Titanic” em que no salão de baile passageiros e passageiras dançavam enquanto o malfadado navio os afundava para a morte.

Então, na falta de ação do poder público em leis e fiscalização, quem sabe os governantes devessem iniciar uma campanha para assustar a população, exibindo as cenas brutais das vítimas dessa tragédia e não apenas estatísticas anônimas. Medo, sabemos, é um mecanismo de proteção.

Nosso presidente teria facilidade para isso, pois quando fala é com contundência, quase xingando, poderia fazer efeito. Nos bastidores políticos, fala-se que Bolsonaro começou a mudar seu tom negacionista, passando a admitir a aflição por que passa a população. Seria bom que adotasse de vez essa mudança de curso, faria bem ao país. Além disso, lhe renderia bem mais votos para uma possível reeleição em 2022 do que insistir brigando com governadores, judiciário, e gente de seu próprio governo.

Uma campanha agressiva não precisa ser exclusividade do governo federal. Poderia ser também lançada por autoridades estaduais e municipais, até pela própria iniciativa privada. Assustar clientes pode ser ruim para os negócios, mas acima disso importa que haja clientes.

Definitivamente, não se deve usar a expressão “Boas Festas” para este final de ano. Porém, isso não impede que no Natal de 2020 possamos proporcionar congraçamento familiar, ainda que de forma diferente, ao menos em famílias conscientes e que usem bom-senso. Nas outras … “jump scare” ! Que sejam assustadas, e bem assustadas, para que tomem noção de uma vez por todas.

Publicado no jornal O Progresso – Montenegro RS

Por: Augusto Licks
Jornalista e músico. Como jornalista, foi editor de rádio e TV em Porto Alegre, colunista de O Estado de São Paulo Online, e atualmente colabora com o jornal O Progresso de sua cidade natal, Montenegro/RS. Como músico foi o guitarrista da fase de sucesso dos Engenheiros do Hawaii, manteve uma importante parceria com o cantor e compositor Nei Lisboa, é autor de trilhas para cinema e teatro, além produtor musical. Apresentou-se em centenas de shows no Brasil, incluindo eventos como Rock In Rio e Hollywood Rock, e em países, como Rússia, Japão e Estados Unidos.

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